quarta-feira, outubro 26, 2011


Não gosto de chuva, é incómoda, uma maçada. Gosto do cheiro da terra molhada depois de chover. A combinação de chuva com vento é fatal, só dá vontade de ficar na cama a vegetar. Todos dizem a chuva faz falta, estamos em risco de seca, o Outono já devia ter chegado há muito tempo. Tanto calor em Outubro não é normal, há muitos anos que não se sentiam temperaturas tão elevadas neste mês. As terras estão secas, o gado não tem pastagens, as barragens vazias... Nada disto me convence. A cidade com chuva transforma-se num pesadelo, o trânsito fica caótico, as pessoas irritadas, molhadas. Os transportes públicos cheiram a mofo, ninguém sabe onde colocar o guarda-chuva encharcado. A gabardine enrola-se nas pernas, o passo fica mais lento. O meu cabelo encaracola e fica selvagem. Despenteada é muito mais difícil evitar as poças de água e os beirais dos telhados lacrimejantes. Nestes dias devia ficar em casa, a bem da minha sanidade mental. Funciono muito mal sem Sol, sou como Lisboa.

sexta-feira, outubro 21, 2011


Entrou na igreja. Quando era pequena e ia aos Mártires com a Avó, tinha medo. Agarrava-lhe sempre na mão com mais força, para se sentir protegida. Parecia tudo tão soturno. A igreja era enorme, escura, os santos espectros medonhos, as pinturas aterradoras e aquele Cristo a sangrar, fazia tanta pena. Chegava a ter de fechar os olhos, para não largar a correr cheia de terror. A Avó afagava-lhe os cabelos e ajeitava-lhe o vestido e ela aguentava porque não lhe queria dar nenhum desgosto. “Era só o que mais faltava, uma neta medricas, nem pensar, todas temos que ser fortes e seguras.” O que mais gostava era quando finalmente acabavam as rezas e saíam para o Chiado. O lanche, croissant com chocolate e um grande copo de leite. “Ai, menina, tens um bigode branco.” Riam muito, enquanto a Avó gentilmente lhe limpava a boca e as mãos cheias de chocolate. Agora entrar nos Mártires é sempre Santuário. A penumbra fresca, o cheiro forte do incenso e da cera das velas derretidas, o silêncio redentor. O chão encerado muito brilhante, que se deve pisar sem fazer nenhum som. Os santos calados e quietos, que felizmente, não podem contestar nem incomodar ninguém. As pinturas imponentes e piedosas. A arquitectura em renda de mármore da nave central, cor-de-rosa e branca, delicada. A sensação de sagrado, que mesmo não sendo crente se instala, é sempre tranquilizadora. Mas Cristo continua a fazer-lhe pena...

quinta-feira, outubro 20, 2011




Estava na hora do seu chá, um ritual para a tranquilidade. A idade tinha-lhe ensinado a tirar prazer de estar consigo própria. A sensação de abandono já não a incomodava. Depois de aprender a lidar com um sentimento de mágoa, ele também se transforma em rotina. Abriu as cortinas brancas da janela, deixou entrar a luz. Pegou na toalha de algodão azul pavão e estendeu-a sobre na mesa. Viu que a água estava a ferver na chaleira cromada. Tirou do armário branco o bule inglês vermelho de porcelana vidrada. Ficou indecisa entre o Jasmim e o Earl Grey. Pensou em Maria Antonieta e na sua paixão pelo chá da flor de Jasmim. Imaginou-a maravilhada pela cor da flor que desabrochava dentro da água a escaldar. Escolheu o Earl Grey, preto aromatizado com óleo essencial de bergamota. Três colheres do chá no coador em forma de meia-lua, deitou a água no bule. Cinco minutos eram suficientes para abrir as folhas aromáticas, não se esqueceu da tampa. Cortou em fatias finas o pão, que colocou no cesto, dentro de um paninho azul com flores vermelhas. Agarrou na lata branca com pintas azuis turquesa, abriu-a e viu o pão-de-ló amarelo e fofo, inspirou o aroma da baunilha. Gostava de fazer bolos, também a tranquilizava. Pesar e misturar os ingredientes. Bater a massa com uma colher de pau, grande; sempre para o mesmo lado como a Avó lhe tinha ensinado. Barrar a forma, sentir a manteiga derreter nos dedos e depois polvilhar com farinha para o bolo não pegar. Aquecer o forno, não em demasia, ver o bolo crescer através do vidro, devagar. Sentir o cheiro, rapar da tigela o resto de massa doce. Voltou ao armário retirou a chávena Margão, a preferida. Sentou-se na cadeira de verga, a almofada com quadradinhos azuis e brancos. Voltou a levantar-se, tinha-se esquecido do frasco com geleia de laranja amarga. Lembrou-se da Catarina de Bragança sozinha em Inglaterra a beber chá e comer scones com geleia, às cinco da tarde, para se consolar. Já sentada, verteu o chá escaldante na chávena, o vapor aromático entrou-lhe quente pelas narinas. Inspirou, inspirada. Barrou uma fatia de pão com geleia, trincou e sentiu o doce estranhamente amargo da laranja. Bebeu um gole de chá quente, o calor espalhou-se pelo corpo, aconchegante. Não estava frio, o Outono ameno ainda não pedia grandes agasalhos. O aconchego era mais na alma, o chá, o doce, o privilégio do silêncio. Olhou para a sua cozinha branca e azul, pontilhada de outras cores, e sorriu. Sabia que a partir daquele dia nunca mais ia ser difícil estar sozinha.

sexta-feira, outubro 07, 2011


Bateu com a porta. Desceu o carreiro, precisava de estar sozinha. Inspirou profundamente, o cheiro tranquilizou-a. O ar entrava-lhe pelas narinas, quente e perfumado. Parou de repente, sentiu o vestido preso, soltou-o e viu o rasgão no tecido vermelho. Apanhou duas amoras, não as comeu. Continuou acariciando as folhas e as flores. Conhecia cada planta, todas as árvores e arbustos. O jardim e o pomar, o seu refúgio. Quando chegou à fonte sentou-se na pedra, estava quente. Mergulhou as mãos na água fresca, lavou as amoras e comeu-as. Doces, vermelhas da cor do vestido. Olhou para os sapatos, não resistiu, desatou os laços de seda e deixou-os cair no chão. Tirou a meias lentamente, os pés também precisavam de respirar. Virou-se e mergulhou-os na água verde. Ficou a chapinhar a sentir o prazer intenso da frescura entre os dedos. Fechou os olhos, e a liberdade percorreu-lhe todo o corpo.

terça-feira, outubro 04, 2011



sinto falta do silêncio,
do céu azul enorme,
da luz forte,
do cheiro das estevas,
da cor intensa da terra,
do espaço infinito,
do sotaque cantado e doce,
do sabor dos orégãos,
da brisa quente e suave,
do tempo que passa devagar sem pressa,
sinto falta do Verão no Alentejo.

segunda-feira, outubro 03, 2011



Muitas estórias ficam por contar.
Muitas músicas ficam por ouvir.
Muitas imagens ficam por ver.
Muitos cheiros ficam por cheirar.
Muitos mistérios ficam por revelar.
Muitos sabores ficam por conhecer.
Muitas texturas ficam por tactear.
Muitos caminhos ficam por explorar.
Muitos sentimentos ficam por sentir.
...
Melhor assim.

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