sexta-feira, outubro 21, 2011


Entrou na igreja. Quando era pequena e ia aos Mártires com a Avó, tinha medo. Agarrava-lhe sempre na mão com mais força, para se sentir protegida. Parecia tudo tão soturno. A igreja era enorme, escura, os santos espectros medonhos, as pinturas aterradoras e aquele Cristo a sangrar, fazia tanta pena. Chegava a ter de fechar os olhos, para não largar a correr cheia de terror. A Avó afagava-lhe os cabelos e ajeitava-lhe o vestido e ela aguentava porque não lhe queria dar nenhum desgosto. “Era só o que mais faltava, uma neta medricas, nem pensar, todas temos que ser fortes e seguras.” O que mais gostava era quando finalmente acabavam as rezas e saíam para o Chiado. O lanche, croissant com chocolate e um grande copo de leite. “Ai, menina, tens um bigode branco.” Riam muito, enquanto a Avó gentilmente lhe limpava a boca e as mãos cheias de chocolate. Agora entrar nos Mártires é sempre Santuário. A penumbra fresca, o cheiro forte do incenso e da cera das velas derretidas, o silêncio redentor. O chão encerado muito brilhante, que se deve pisar sem fazer nenhum som. Os santos calados e quietos, que felizmente, não podem contestar nem incomodar ninguém. As pinturas imponentes e piedosas. A arquitectura em renda de mármore da nave central, cor-de-rosa e branca, delicada. A sensação de sagrado, que mesmo não sendo crente se instala, é sempre tranquilizadora. Mas Cristo continua a fazer-lhe pena...

Comentários:
Grande texto. Excepcionalmente bem escrito :)
 
Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]





<< Página inicial

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Assinar Postagens [Atom]