quinta-feira, outubro 20, 2011




Estava na hora do seu chá, um ritual para a tranquilidade. A idade tinha-lhe ensinado a tirar prazer de estar consigo própria. A sensação de abandono já não a incomodava. Depois de aprender a lidar com um sentimento de mágoa, ele também se transforma em rotina. Abriu as cortinas brancas da janela, deixou entrar a luz. Pegou na toalha de algodão azul pavão e estendeu-a sobre na mesa. Viu que a água estava a ferver na chaleira cromada. Tirou do armário branco o bule inglês vermelho de porcelana vidrada. Ficou indecisa entre o Jasmim e o Earl Grey. Pensou em Maria Antonieta e na sua paixão pelo chá da flor de Jasmim. Imaginou-a maravilhada pela cor da flor que desabrochava dentro da água a escaldar. Escolheu o Earl Grey, preto aromatizado com óleo essencial de bergamota. Três colheres do chá no coador em forma de meia-lua, deitou a água no bule. Cinco minutos eram suficientes para abrir as folhas aromáticas, não se esqueceu da tampa. Cortou em fatias finas o pão, que colocou no cesto, dentro de um paninho azul com flores vermelhas. Agarrou na lata branca com pintas azuis turquesa, abriu-a e viu o pão-de-ló amarelo e fofo, inspirou o aroma da baunilha. Gostava de fazer bolos, também a tranquilizava. Pesar e misturar os ingredientes. Bater a massa com uma colher de pau, grande; sempre para o mesmo lado como a Avó lhe tinha ensinado. Barrar a forma, sentir a manteiga derreter nos dedos e depois polvilhar com farinha para o bolo não pegar. Aquecer o forno, não em demasia, ver o bolo crescer através do vidro, devagar. Sentir o cheiro, rapar da tigela o resto de massa doce. Voltou ao armário retirou a chávena Margão, a preferida. Sentou-se na cadeira de verga, a almofada com quadradinhos azuis e brancos. Voltou a levantar-se, tinha-se esquecido do frasco com geleia de laranja amarga. Lembrou-se da Catarina de Bragança sozinha em Inglaterra a beber chá e comer scones com geleia, às cinco da tarde, para se consolar. Já sentada, verteu o chá escaldante na chávena, o vapor aromático entrou-lhe quente pelas narinas. Inspirou, inspirada. Barrou uma fatia de pão com geleia, trincou e sentiu o doce estranhamente amargo da laranja. Bebeu um gole de chá quente, o calor espalhou-se pelo corpo, aconchegante. Não estava frio, o Outono ameno ainda não pedia grandes agasalhos. O aconchego era mais na alma, o chá, o doce, o privilégio do silêncio. Olhou para a sua cozinha branca e azul, pontilhada de outras cores, e sorriu. Sabia que a partir daquele dia nunca mais ia ser difícil estar sozinha.

Comentários: Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]





<< Página inicial

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Assinar Postagens [Atom]